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quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

"Um país é feito de homens e de livros."

Foi durante os primeiros anos da minha instrução primária, que tive o primeiro contacto com outros livros, que não os escolares. Foi.através de um serviço que existia na altura que eram as Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian, que religiosamente, uma vez por mês passavam junto à escola, para me oferecer um mundo novo escondido em cada livro. Eram momentos de enorme alegria, porque tinha ali muitos livros capazes de saciar a minha curiosidade, mas também de alguma tristeza, porque os tinha que entregar novamente, o que eu compreendia, mas a separação física do livro que havia lido e estimulou a minha imaginação, provocava-me um enorme  sentimento de perda. 
Convêm, no entanto, explicar como surgiu este brilhante serviço que foram as bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian, que prestaram um serviço público de excelência ao longo de 44 anos. Surgiram de uma anterior iniciativa do escritor António José Branquinho da Fonseca, nascido a 4 de Maio de 1905, em Mortágua, conservador-bibliotecário do Museu Biblioteca do Conde Castro Guimarães em Cascais, no ano de 1953. Foi nessa altura que surgiu o primeiro carro biblioteca-circulante que se deslocava até  às associações, escolas e lugares centrais das povoações, proporcionando, através do empréstimo domiciliário, o acesso ao livro pela população.
É com base nesta iniciativa local que em 1958, por sugestão de Branquinho da Fonseca, a Fundação Calouste Gulbenkian cria um serviço similar ao existente em Cascais, mas de forma a possibilitar a cobertura a todo o território nacional. O serviço das Bibliotecas Itinerantes foi dirigido por Branquinho da Fonseca até 1974, ano da sua morte.
Apesar de na altura em que era prestado este nobre serviço, se viver sob o regime ditatorial chefiado por Oliveira Salazar, que não tinha qualquer interesse em que o povo se tornasse um pouco mais instruído, porque quanto mais ignorante mais manipulável se torna, este teve um papel fundamental no desenvolvimento cultural das populações. 
Foi desta inoperância intencional por parte do estado em cumprir com uma das missões a que esta obrigado e que consiste em criar condições de forma a proporcionar o acesso a educação, cultura e informação do povo, principalmente ás classes mais desfavorecidas, porque as classes mais favorecidas esse acesso é-lhe mais favorável, que este serviço teve um sucesso extraordinário, como é patente no número de pessoas que lhe acediam.
Entendo que o serviço foi essencial para que muitas das pessoas que viviam nos locais mais periféricos, ou até considerados remotos, tivessem oportunidade no o acesso aos livros, que de outra forma seria difícil. É consciente destas dificuldades e pela sensibilidade de quem na altura liderava a fundação Calouste Gulbenkian que o serviço floresce sustentado num muito nobre principio “quando o homem não busca o livro deve o livro buscar o homem” .
Em Dezembro de 2002 é extinto este serviço, em virtude de condicionalismos financeiros e, pelo facto de se ter iniciado a construção de uma rede de bibliotecas fixas, mais modernas, de acordo com os princípios emanados do manifesto da UNESCO, produzido em 1980.
No entanto, e essa é uma convicção minha, acho que apesar de tudo, a sua extinção foi precipitada, porque o Portugal mais profundo necessitava e, ainda hoje precisa de um tipo serviço itinerante adequado, claro está, aos tempos actuais, de forma a fazer chegar o livro às pessoas que vivem nos lugares mais periféricos de alguns concelhos, onde as dificuldades, quer económicas, quer de mobilidade, ainda hoje persistem. Desta forma a manutenção desse serviço seria, sem dúvida, uma mais-valia, para eventualmente ajudar a crescer e a formar crianças, jovens e até adultos com   perspectivas melhores e mais positivas e, dota-las de saberes necessários a  encararem o mundo com mais confiança.

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